Café, uma bebida estimulante

O uso do café generalizou-se na Europa a partir do século XVII, após o reconhecimento como bebida estimulante e propícia ao aumento da capacidade física e intelectual dos consumidores. Foi, dentre as três bebidas introduzidas no “Velho Continente” após a época dos descobrimentos (café, chá e cacau), a que se mostrou mais adequada “para a melhoria da produção humana” (Simonsen, 1940).

Ver referência R. C. Simonsen (1940) em Arquitetura do Café.

Argollo Ferrão (2015). Arquitetura do Café (2a. ed.). Campinas : Editora da Unicamp.

O cafeeiro. Ilustração botânica da espécie Coffea arabica. Classificação científica [Reino - Plantae / Divisão - Magnoliophyta / Classe - Magnoliopsida / Ordem - Gentianales / Família - Rubiaceae / Gênero - Coffea]. Fonte: Wikipedia.
Louis Couty, um importante biólogo francês que viveu no Brasil durante o século XIX e produziu vários e significativos trabalhos sobre o cafeeiro e questões correlatas, afirmou ser o café [...] "superior ao álcool e aos estimulantes excitantes, pois que provoca fenômenos verdadeiramente capitais na constituição dos tecidos. As experiências, confirmando ao café suas qualidades de verdadeiro alimento, vieram realçar o seu papel como fator do desenvolvimento de maior atividade nos processos químicos azotados, os mais aptos a fornecer força aos homens superiores; é evidente a utilidade dessa bebida para as raças civilizadas, cuja atuação se torna dia a dia mais ativa" (Couty, 1883).
Referências:
L. Couty, Biologie industrialle du café, apud A. d’E. Taunay, História do café no Brasil. Rio de Janeiro: DNC, 1939-1943.
Argollo Ferrão (2015). Arquitetura do Café (2a. ed.). Campinas : Editora da Unicamp.
Couty, L. (1883). Le Café. Étude de Biologie Industrialle du Café. Rio de Janeiro: l’Ecole Polytechnique.
Página de rosto do mencionado estudo de Louis Couty publicado em 1883 sobre a Biologia Industrial do Café. Referência: Couty, L. (1883). Le Café. Étude de Biologie Industrialle du Café. Rio de Janeiro: l'Ecole Polytechnique. [Rapport adressé à M. le Directeur de l'Ecole Polytechnique].
De fato, já no final do século XIX o café passa a ser reconhecido como um alimento estimulante e revigorante. Tal reconhecimento se dá a partir de diversas pesquisas científicas como as que o biólogo Luis Couty realizou, sendo o introdutor do campo de estudo da fisiologia experimental no Brasil. Couty escreveu livros sobre a escravidão, artigos sobre o café, relatórios sobre a erva mate, sempre com o enfoque da ciência, de acordo com o pensamento da época (Stahl, 2016). Moisés Stahl entende Couty como um mediador das ideias novas que chegaram ao país a partir da década de 1870, operadas em uma das disciplinas em que ele atuava, a Biologia Industrial, mesclando os conceitos evolucionistas da época à realidade produtiva e social do Brasil, lançando teses sobre o país e seu povo.

Referência: Stahl, M. (2016). Louis Couty e o Império do Brasil. Santo André: Editora UFABC.

Sobre a capacidade estimulante do café, no blog de Marcelo Toledo você encontra informações adicionais. Toledo explica que, de fato, a característica mais conhecida do café é a sua capacidade estimulante, graças à cafeína presente em sua composição. Doses baixas ou moderadas podem reduzir a sensação de sonolência e cansaço, e levar a uma importante melhora na concentração, estado de alerta e energia. A melhora cognitiva e psicomotora que o café promove é reconhecida cientificamente e respaldada por centros de pesquisa em diversos países do mundo. O café, contudo, pode causar efeitos nocivos se ingerido em excesso, como a dependência e azia. Há de ser consumido, como todo alimento, obedecendo-se a um bom senso e moderação. O café é reconhecidamente uma bebida estimulante, natural e saborosa, pode ser considerado um alimento nutritivo, diurético, que combate cefaleias e ajuda no controle de peso.

Toledo, M. (Blog). Café: o melhor estimulante do mundo. Disponível em http://marcelotoledo.com/cafe-o-melhor-estimulante-do-mundo/ Acesso em 02 nov. 2019.

REFERÊNCIA para citar este Texto:
Argollo Ferrão, A. M. de (2015). Arquitetura do Café (2a. ed., Prefácio). Campinas : Editora da Unicamp.

11. Origem afro-árabe do café

A mais antiga narrativa de que se tem notícia sobre o café como produto consumido em determinada escala encontrava-se, no tempo de John Ellis, na biblioteca do rei da França, sob o número 944. Trata-se de um manuscrito árabe sobre sua introdução como bebida na região, no século XV da Era Cristã, atribuída a um tal Gemaleddin, que numa de suas viagens teria visto vários nativos tomando a bebida. Em seu regresso, teria trazido a novidade.

Ver referência John Ellis em Arquitetura do Café.

Argollo Ferrão (2015). Arquitetura do Café (2a. ed.). Campinas : Editora da Unicamp.

 

 

As origens do café: uma cena de homens consumindo café no mundo árabe.
A Etiópia é tida como o país de origem do café. Daí, ele teria migrado para a Arábia, em data não estabelecida corretamente. Admite-se, contudo, que já no século XV os árabes tomavam café, cabendo a eles a exclusividade da lavoura até o século XVII. Assim, se considerarmos esta a primeira região em que o uso do café se difundiu em larga escala, pode-se dizer que a denominação de uma de suas principais espécies comerciais – Coffea arabica – é bastante apropriada.
Kaldi e seu rebanho – Lenda do Café. Trata-se de uma imagem amplamente difundida na Internet. A história do café começa na região da antiga Abissínia, também conhecida como Império Etíope, atualmente Etiópia. Uma das lendas mais difundidas sobre as origens do café vem do século VI de manuscritos encontrados no Iêmen datados de 575 d.C. / "O pastor Kaldi observou que suas cabras ficavam alegres e cheias de energia depois que mastigavam os frutos de coloração amarelo-avermelhada dos arbustos abundantes dos campos. Kaldi, então comenta com um monge da região que resolve experimentar os frutos e prepará-los na forma de infusão. Daí começa a trajetória da bebida. Os árabes então dominam rapidamente as técnicas de plantio e preparo do café. As plantas são chamadas de Kaweh e a bebida de Kahwah ou Cahue que significa “Força” em árabe. Habitantes do Iêmen faziam infusão com o café e cerejas fervidas em água, normalmente para fins medicinais. Nessa época também monges utilizavam a bebida para ajudá-los nas rezas e vigílias noturnas". Fontes: ABIC - Associação Brasileira da Indústria do Café / História do Café de Ana Luiza Martins / História do Café no Brasil (15 vols.) de Affonso d'E. Taunay / Arquitetura do Café de André Argollo.
Ao ser levado para o Iêmen em fins do século XV, o café encontrou na aldeia de Moka seu grande polo de difusão. O preparo da bebida pelo uso das sementes cabe exclusivamente aos árabes, que, dessa forma, já no século XVI, podem ser considerados os autênticos descobridores do café tal como o conhecemos hoje em dia (uma bebida obtida por infusão de grãos, torrados e moídos, em água quente).

Ver Texto e referências em: Argollo Ferrão, A. M. de (2015). Arquitetura do Café (2a. ed.). Campinas: Editora da Unicamp.

Café na Palestina em 1900. Imagem estereoscópica de Keystone View Company. Fonte: Wikipedia.
Levada para Meca entre 1470 e 1500, a bebida teve excelente receptividade. Logo apareceriam na cidade os "Kavehkanes", os primeiros cafés do mundo, onde se cantava e dançava, se jogava xadrez e, principalmente, se discutiam as novidades. Surgiriam também opositores, que perseguiriam consumidores e fornecedores da bebida, havendo registros de depredações de cafés já em 1533. No Egito, o café também fez sucesso e, na Turquia, seu consumo foi cercado de luxo e refinamento. Constantinopla possuía alguns dos cafés mais requintados, onde os frequentadores, no começo do século XVII, se inebriavam com os vapores do tabaco, cuja introdução deveu-se aos holandeses que traziam o fumo do Brasil (Taunay, 1939-1943).
Uma Casa de Café na Turquia, em Constantinopla. Tela de Aloysius R. A. R. Andreas (1816-1882). A Turkish Coffee-House, Constantinople. Preziosi, Aloysius Rosarius Amadeus Raymondus Andreas 5th Count Preziosi, born 1816 - died 1882.

Taunay, A. d’E. (1939-1943). História do Café no Brasil (15 vols.). Rio de Janeiro: Departamento Nacional do Café.

REFERÊNCIA para citar este Texto:
Argollo Ferrão, A. M. de (2015). Arquitetura do Café (2a. ed., Prefácio). Campinas : Editora da Unicamp.

Fazenda de Café : um sistema produtivo integrado

Ao se tratar de um sistema produtivo, seja ele industrial, comercial, agrícola ou mesmo artesanal, deve-se ter em mente questões pertinentes ao universo em que ele se insere, e que são ora determinantes, ora resultantes de sua evolução. Tal é o caso das relações existentes entre Técnica e Arquitetura presentes num sistema destinado à produção: um pode influenciar a evolução do outro, porém, ambos desenvolvem-se coerentemente com o perfil do sistema produtivo em que estão inseridos. É isto o que se pretende demonstrar com a pesquisa que gerou o livro Arquitetura do Café.

Fazenda do Secretário, em Vassouras [RJ], um dos mais iconográficos exemplos do período áureo do Vale do Paraíba. Chegou a possuir cerca de 500 mil pés de café e mais de 350 escravos. Litogravura de Louis-Jullien Jacottet, 1861. Domínio público, Biblioteca Nacional Digital.
Partindo-se da hipótese de que há uma forte ligação entre a arquitetura das fazendas e as técnicas empregadas no processo produtivo do café, pode-se reconhecer a “arquitetura da produção” das regiões onde se empregaram processos definidos por um semelhante estágio de desenvolvimento técnico, e condições sócio-econômicas parecidas. Para se compreender a correlação entre Técnica e Arquitetura, no estudo que gerou o conteúdo do livro Arquitetura do Café, tomou-se como cenário as fazendas de café do interior paulista no período entre 1850 e 1950.
Litografia da Fazenda Ibicaba, de autor desconhecido. Coleção Paulo Levy. O núcleo industrial da fazenda caracteriza um cenário de plena integração entre as técnicas empregadas no processo produtivo do café e a arquitetura correspondente.
Heflinger Jr., J. E. (2014). O sistema de parceria e a imigração europeia. Limeira: Unigráfica.
Mendes, F. L. R. (2017). Ibicaba revisitada outra vez: espaço, escravidão e trabalho livre no oeste paulista.
Anais do Museu Paulista: História e Cultura Material, 25(1), 301-357. https://dx.doi.org/10.1590/1982-02672017v25n0112
Assim, definiu-se por complexo produtivo das fazendas cafeeiras, o conjunto formado por terreiro, tulha e casa das máquinas (o qual passaremos a chamar de núcleo industrial da fazenda), mais o cafezal. Por analogia, quando se mencionar a arquitetura deste complexo, ou seja, a arquitetura do complexo produtivo da fazenda cafeeira, pretende-se abranger a arquitetura do núcleo industrial e a arquitetura do cafezal.
Arquitetura do Núcleo Industrial da Fazenda Santa Genebra, em Campinas [SP]. Os terreirões de secagem de café nas proximidades da sede, da tulha e da casa de máquinas eram típicos do empreendimento cafeeiro. In: Engenhos e Fazendas de Café em Campinas (Séc. XVIII - Séc XX). Uso amparado pela Lei 9619/98.

Silva, A. P. da (2006). Engenhos e fazendas de café em Campinas (séc. XVIII – séc. XX). Anais do Museu Paulista: História e Cultura Material, 14(1), 81-119. https://dx.doi.org/10.1590/S0101-47142006000100004

Arquitetura do Núcleo Industrial da Fazenda Conceição, em São Pedro [SP]. Secagem de café em terreiros de uma pequena plantação no início do século XX. Fonte: Arquitetura do Café [por] André Argollo / A. Lalière, 1909.

Argollo Ferrão, A. M. de (2015). Arquitetura do Café (2a. ed.). Campinas: Editora da Unicamp.

Lalière, A. (1909). Le café dans l’état de Saint Paul. Paris: Augustin Challamel.

Arquitetura do Cafezal. Trabalhadores na colheita do café no final do século XIX. É possível observar as características da arquitetura do cafezal a partir do alinhamento dos cafeeiros, da altura de cada pé de café, da conformação da paisagem correspondente.

Agassiz, J. L. R., & Agassiz, E. C. (1899). Album de Vues du Brésil. Paris: A. Lahure. Original pertence à BNDigital http://bndigital.bn.gov.br/acervodigital/ Disponível em História & Outras Histórias (Blog de Marta Iansen) https://martaiansen.blogspot.com/2016/01/colheita-do-cafe.html Acesso em 28 out./2019.

Arquitetura do cafezal. Mulheres trabalhadoras no cafezal em pleno século XXI. As características da arquitetura do cafezal podem ser observadas pelo alinhamento dos cafeeiros, altura dos pés de café, e pela conformação da paisagem resultante.

Arzabe, C. et al. (Ed. técnicas) (2017). Mulheres dos cafés no Brasil. Brasília: Embrapa. E-book: il. color. ISBN 978-85-7035-729-8 Disponível em http://www.sapc.embrapa.br/arquivos/consorcio/publicacoes_tecnicas/mulheres-dos-cafes-no-brasil-convertido.pdf Acesso em 28 out./2019.

Portanto, é muito importante verificar-se a influência que a evolução técnica do maquinário empregado no processo de beneficiamento do café possa ter exercido sobre a arquitetura do núcleo industrial das fazendas, e que implicações isto pode ter gerado em todo o conjunto. Desse modo, a integração entre Técnica e Arquitetura no sistema espacial "fazenda de café" é essencial para a compreensão do processo de conformação da paisagem produtiva resultante.
REFERÊNCIA para citar este Texto:
Argollo Ferrão, A. M. de (2015). Arquitetura do Café (2a. ed., Prefácio). Campinas : Editora da Unicamp.

Fazenda de Café : uma arquitetura distinta

O ciclo do café modificou radicalmente a estrutura social e econômica do Brasil conduzindo-o na direção de um rápido e profundo processo de urbano-industrialização que, praticamente, moldou o perfil da sociedade contemporânea brasileira. Contudo, o reflexo deste ciclo não se restringiu apenas a tal âmbito, mas abrangeu também o desenho da estrutura física das diversas regiões por onde a rubiácea passou.

Reprodução de um cartão-postal de São Paulo mostrando o Vale do Anhangabaú entre os anos 1940 e 1970.
Fonte: http://museudaimigracao.org.br/cartao-postal-da-cidade-de-sao-paulo/
O Estado de São Paulo foi o cenário das maiores transformações provocadas pelo café entre os anos de 1850 e 1950. De Capitania da Colônia desprovida de riquezas e poder político, os quais se concentravam em Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro, e Minas Gerais, tornou-se, neste período de cem anos, o Estado mais desenvolvido do país. Antes de 1850, porém, ocorreu no território paulista o importante ciclo do açúcar que, embora sem alcançar a magnitude do nordestino, foi suficiente para preparar-lhe a infraestrutura para que, depois, a cafeicultura penetrasse e se consolidasse até o final do Império.
Terreiro, tulha e casa de máquinas.
O complexo produtivo da Fazenda Santa Gertrudes na primeira década do século XX, propriedade do Conde de Prates, localizada no atual município de Santa Gertrudes [SP].
Fonte: Arquitetura do Café [por] André Argollo / Coleção Sacop, Arquivos Especiais, CMU.
Fazenda Santa Gertrudes. Fundada em 1854, a fazenda localizada em Santa Gertrudes retrata fielmente toda a grandeza do período áureo do Café e a chegada dos imigrantes italianos no Brasil. Santa Gertrudes [SP] (Circuito Fazendas Históricas). Localização: S 22º28.730’ – W 47º30.774’. Foto: Rubens Chiri.
Fazenda Santa Gertrudes. A fazenda com sua arquitetura centenária em estilo francês remete aos tempos aureos do café da colheita ao embarque na estação do trem. A sua antiga tulha de armazenamento foi adaptada para a realização de eventos, sendo um concorrido local para a celebração de casamentos na região. Santa Gertrudes [SP]. (Circuito Fazendas Históricas). Localização: S 22º28.730’ – W 47º30.774’. Foto: Rubens Chiri.
As regiões do Vale do Paraíba e de Campinas foram as que primeiro se beneficiaram da riqueza gerada pela produção da rubiácea no Estado e, portanto, é onde se encontram ricos exemplares de uma arquitetura distinta: a da fazenda de café. A partir da década de 1890, tendo São Paulo como a metrópole que polarizaria os negócios da espetacular produção dessa commodiy, as grandes empresas agrícolas do Oeste Paulista, localizadas principalmente na região de Ribeirão Preto, caracterizaram-se por uma arquitetura diferente daquela que se praticava no Vale do Paraíba. Nestes magníficos espaços de produção, o café vicejou e gerou riquezas até a Crise de 1929.
A Revolução de 1930 determinou a perda de poder dos empresários ligados à economia primário-exportadora, representados, principalmente, pelos fazendeiros paulistas e mineiros. Mas a expansão da cafeicultura permaneceu vigorosa, agora na direção do chamado Oeste Novo Paulista que passaria a representar a fronteira agrícola até a década de 1950.
Muro de pedras em primeiro plano. Ao fundo pode-se observar uma parte da fachada das ruínas do casarão da Fazenda Jambeiro, em Campinas [SP].
Foto: André Argollo / Campinas, 2017.
Nos últimos 50 anos, consubstanciou-se na capital do Estado de São Paulo uma metrópole moderna e mundialmente conhecida, e no seu hinterland, diversas cidades cujas estruturas físicas ergueram-se baseadas nas necessidades da economia cafeeira em diferentes períodos históricos. Porém, convém salientar que, de fato, o processo produtivo do café desenrolou-se, ao longo do tempo, em unidades empresariais que tinham uma configuração territorial própria, com sua infra-estrutura de construções civis desenhada e implantada segundo uma arquitetura específica e original: a das fazendas de café.
O livro Arquitetura do Café pretende elaborar a questão da evolução da arquitetura de um espaço de produção, tomando por objeto as fazendas de café do estado de São Paulo, vistas como unidades produtivas de um sistema integrado, de modo a se estabelecerem correlações entre técnica e arquitetura.
REFERÊNCIA
Argollo Ferrão, A. M. de (2015). Arquitetura do Café (2a. ed.). Campinas : Editora da Unicamp.

Organização espacial de um sistema territorial rural

Atividades espontâneas ou empreendimentos planejados constituem intervenções humanas que conferem personalidade e características próprias a determinadas regiões. Dessa interação resultam paisagens de relevante valor patrimonial que marcam o trabalho do homem sobre o território. A revitalização desses locais especiais é um fenômeno recorrente em diversas partes do mundo, repercutindo positivamente em processos de recuperação de determinados sistemas territoriais, conferindo-lhes identidade e conformando-lhes a paisagem correspondente. Assim, é possível associar a ideia de uma Arquitetura do Café a uma certa paisagem cultural cafeeira como atores do desenvolvimento regional no âmbito dos Sistemas Territoriais – rurais e urbanos – que os integram.

Complexo produtivo da fazenda de Oliveira em São João da Boa Vista [SP], no início do século XX.
Fonte: Arquitetura do Café [por] André Argollo / Coleção Sacop, Arquivos Especiais, CMU
Os estudos sobre os sistemas territoriais rurais devem abranger todos os aspectos relacionados ao ambiente rural construído, voltados direta ou indiretamente para a produção, no âmbito dos diversos sistemas produtivos que compõem o Complexo Agro-industrial-comercial, ou o agribusiness de um país ou região.
No Brasil, sempre que se fala de sistemas territoriais rurais remete-se à ideia de uma paisagem singela, bucólica, composta por pequenos sítios ou enormes glebas de terra dotadas de mais ou menos infraestrutura. A tradicional visão que se tem desses sistemas territoriais os caracteriza como um conjunto de edificações destinadas à produção agrícola ou agroindustrial, e à habitação, integradas por estradas vicinais (normalmente caminhos de terra), campos cultivados, e pequenos povoados.
Casa de colono do núcleo colonial Campos Sales, Cosmópolis [SP], entre 1900 e 1909.
Fonte: Arquitetura do Café [por] André Argollo / Coleção Sacop, Arquivos Especiais, CMU
Terreiro, tulha e casa de máquinas.
O complexo produtivo da Fazenda Santa Gertrudes na primeira década do século XX, propriedade do Conde de Prates, localizada no atual município de Santa Gertrudes [SP].
Fonte: Arquitetura do Café [por] André Argollo / Coleção Sacop, Arquivos Especiais, CMU
No entanto pesquisadores e gestores públicos de diversos países do mundo têm enfocado os sistemas territoriais rurais como um campo de estudos absolutamente fundamental para o desenvolvimento sustentável de um país ou região. Esta postura acadêmica e político-gerencial é relativamente recente, intensificando-se a partir da década de 1990.
De fato, os sistemas territoriais rurais devem ser compreendidos a partir da integração dos processos de desenvolvimento rural com os sistemas territoriais das regiões metropolitanas mais dinâmicas, bem como com as redes de cidades em sistemas territoriais agrícolas, ou ainda com o sistema territorial urbano de cidades isoladas em regiões menos dinâmicas do ponto de vista socioeconômico. Quanto mais integrados forem os processos de desenvolvimento rural, melhor se configura um sistema territorial equilibrado e sustentável.
Casa do médico no núcleo colonial Nova Pauliceia, Matão [SP], entre 1907 e 1910.
Fonte: Arquitetura do Café [por] André Argollo / Coleção Sacop, Arquivos Especiais, CMU
Uma unidade produtiva dedicada a um ou mais processos agroindustriais pode ser considerada um subsistema territorial rural, composto pelos seguintes conjuntos arquitetônicos:
  • o núcleo industrial, conformado pelo conjunto de edifícios e estruturas edificadas para abrigar o maquinário e os produtos nas diversas fases do processamento agroindustrial. Trata-se do conjunto arquitetônico que abriga o patrimônio industrial da propriedade;
  • a paisagem resultante da integração dos sistemas hídricos e territoriais, composta por corpos d’água, remanescentes de mata natural, pelos campos de pastagem e bosques implantados artificialmente, os jardins e pomares, a lavoura ou o campo cultivado propriamente dito. No caso de uma fazenda de café, por exemplo, a arquitetura da lavoura cafeeira representada pelo desenho de implantação do cafezal e pelo desenho do próprio cafeeiro, uma vez que estes resultam de sucessivos processos de seleção e melhoramento genético, conduzidos a fim de esculpir-lhes a forma otimizando-lhes a função;
  • a arquitetura das construções complementares e suplementares àquelas do núcleo industrial, existentes na maioria das propriedades rurais (tais como os currais, paióis, barracões diversos, escritórios, canais, açudes e barragens, pontes e estruturas diversas, etc.);
  • a arquitetura dos edifícios destinados à habitação, como a sede da fazenda e as casas dos trabalhadores rurais;
  • o patrimônio cultural existente na propriedade, composto eventualmente por remanescentes de senzalas (antigas vivendas destinadas a abrigar os escravos da fazenda), antigas colônias, habitações isoladas, antigo núcleo industrial, etc.
Secagem de café em terreiros de uma pequena plantação na Fazenda Conceição, em São Pedro [SP] no início do século XX. Fonte: Arquitetura do Café [por] André Argollo / A. Lalière, 1909.

Lalière, A. (1909). Le café dans l’état de Saint Paul. Paris: Augustin Challamel.

Assim se caracteriza a arquitetura de uma propriedade rural – ou, um subsistema territorial rural, ou ainda, um sistema espacial especializado, neste caso, rural. Suas múltiplas interfaces e seu papel no chamado “sistema cidade-campo” eleva a arquitetura rural a uma privilegiada condição de elemento de integração entre o meio e o complexo de sistemas geradores de ciência e informação de que se compõe o agribusiness de um país ou região. Os sistemas territoriais rurais encontram-se, pois, intimamente relacionados com o sistema tecnológico de um determinado complexo produtivo inserido no âmbito do Complexo Agro-industrial-comercial de um país ou região.
REFERÊNCIA
Argollo Ferrão, A. M. de (2015). Arquitetura do Café (2a. ed., Prefácio). Campinas : Editora da Unicamp.

Arquitetura do Café

Desde o seu lançamento em 2004, o livro tem proporcionado diálogos, debates em palestras, aulas, conferências em eventos acadêmicos e culturais no Brasil e no exterior. Após a publicação de sua 2ª edição, em 2015, sentiu-se a necessidade de ampliar o projeto adotando-se uma abordagem digital para falar diretamente a diferentes públicos, abrangendo todos os aspectos da cultura cafeeira, para além das áreas de arquitetura e engenharia, inspirando o engajamento em temas como a gestão do patrimônio e da paisagem cultural brasileira, ordenamento territorial, desenvolvimento local e regional sustentável, arte, tradição, memória, o café no cotidiano e muito mais!

Primeiramente, muito prazer, meu nome é André Munhoz de Argollo Ferrão, sou engenheiro civil, arquiteto e urbanista. Pós-graduado em Economia “lato sensu”, Mestre em Engenharia Agrícola, Doutor em Arquitetura e Urbanismo.
Ao longo desses anos, realizei diversas pesquisas como professor visitante na Espanha (Barcelona e Gijón). Atualmente, sou professor livre-docente da Universidade Estadual de Campinas, pesquisador, autor de diversos livros, capítulos de livros, artigos acadêmicos e textos literários.
Minhas pesquisas se concentram nas áreas de engenharia de empreendimentos para o desenvolvimento local e regional sustentável, gestão do patrimônio (ambiental e cultural), gestão integrada de bacias hidrográficas, planejamento do território e da paisagem.
Complexo produtivo da fazenda de Oliveira em São João da Boa Vista [SP], no início do século XX.
Fonte: Arquitetura do Café [por] André Argollo / Coleção Sacop, Arquivos Especiais, CMU
E foi exatamente uma dessas pesquisas que deu origem ao livro Arquitetura do Café, com sua primeira edição em 2004 e segunda edição em 2015. O livro apresenta a história do café e a arquitetura de muitas fazendas, as técnicas que se refletiam nos projetos, e as várias tarefas que demandavam uma arquitetura específica. Procurou-se desvendar tendências e diretrizes sociais e econômicas e seus reflexos sobre a "arquitetura do café" numa grandiosa obra textual e iconográfica que lhe deu vida.
Hoje, quatro anos após o lançamento da segunda edição do Arquitetura do Café, iniciamos uma nova fase do projeto, ampliando-o agora em linguagem digital, transformando-o em um site completamente ilustrado, interativo e informativo, com um blog que irá abordar os diferentes aspectos da cultura cafeeira, explorando o conteúdo do livro, novas pautas, compartilhando informações e experiências, abrindo janelas para o diálogo e debates (não deixem de interagir e nos enviar a sua opinião ou comentários no final de cada publicação).
É importante ressaltar que as mídias sociais constituem atualmente uma das ferramentas mais utilizadas na internet, promovendo ampla acessibilidade graças à facilidade de interação. Sendo assim, publicaremos semanalmente conteúdos relevantes em nossas redes.
E para abrir com chave de ouro essa nova temporada, vamos explorar também um dos formatos de conteúdo digital mais consumidos atualmente: o audiovisual.
No canal Arquitetura do Café vamos abrir ainda mais essa janela de comunicação, trazendo um conteúdo inédito e um aprofundamento ainda maior das páginas do livro.
Visitas a instituições, paisagens e cenários ligados a cultura cafeeira, diálogo com profissionais de diferentes áreas relacionadas com o tema café, história oral, "causos" e uma boa prosa, vivências e experiências, dicas de projeto, arquitetura rural, roteiros turísticos e gastronômicos ligados ao café, visitas a fazendas e cafeterias, empórios e casas comerciais cafeeiras, noções sobre classificação, modos de preparo, degustação e muitas outras novidades estão por vir.
Então sinta-se em casa, tome uma xícara de café e vamos conversar...
Bem-vindo ao Arquitetura do Café.
André Argollo