O livro Arquitetura do Café mostra que as fazendas de café possuem uma arquitetura específica e original. Tal arquitetura assume determinadas características de acordo com a região cafeeira e com o período em que foi concebida ou para o qual foi adaptada. O conjunto arquitetônico de uma fazenda cafeeira é formado pelo núcleo industrial (terreiros, tulhas e casa de máquinas), núcleos habitacionais (casa-grande e senzala, ou a casa sede e as colônias), os núcleos compostos por edifícios e instalações destinados a abrigar atividades complementares e suplementares da fazenda, como viveiros e casas de vegetação, barracões, serrarias e oficinas, pequenos currais, silos e armazéns etc., e — por fim — a arquitetura da paisagem resultante, composta pelo próprio cafezal, assim como todo o campo cultivado, que guardam em seu desenho essa arquitetura do café — original e específica, que se complementa com a existência ou não de remanescentes de mata ou áreas de recomposição, áreas de pastagens com suas subdivisões por valos ou cercas, cursos dágua, etc.
Antigas casas de colônia em fazenda de café de Ribeirão Preto [SP]. Fonte: Edson Silva / Direitos autorais: @folhapress 2010 — todos direitos reservados à Folhapress — AII R.
A arquitetura e a organização das grandes propriedades de produção do café e a influência delas na ordenação do território paulista se relacionam intimamente com o processo produtivo do café, que integra vários subprocessos realizados em unidades físicas bem definidas e caracterizadas no tempo e no espaço por elementos arquitetônicos originais e específicos, resultando uma arquitetura específica e original: a da fazenda cafeeira. O desenvolvimento tecnológico, ao impor transformações no programa de atividades do espaço da produção da fazenda de café, coevolui com a arquitetura no âmbito do seu sistema produtivo. A evolução técnico-científica exigiu adaptações no espaço destinado a abrigar cada atividade dentro e fora da fazenda cafeeira, alterando-lhe a forma; ou incrementando-lhe, restringindo-lhe, e até suprimindo-lhe a função.
Fazenda Monte Alegre. Desapropriada pelo Governo Estadual, em 1948, as terras da fazenda passaram a constituir o patrimônio da Universidade de São Paulo. Hoje serve como sede de dois museus: Histórico e do Café. Ribeirão Preto [SP]. Foto: Rubens Chiri. Fonte: Banco de Imagens do Estado de São Paulo.
Durante o período em que o café foi a principal indústria brasileira (de meados do século XIX a meados do século XX) a arquitetura das fazendas cafeeiras evoluiu de acordo com as transformações culturais, tecnológicas, socioeconômicas, políticas, ocorridas na sociedade. Na região de Ribeirão Preto, as fazendas passaram por diversas modificações.
Entre as principais mudanças relacionam-se as seguintes: a casa-grande e a senzala são substituídas por sedes rodeadas de jardins e casas de colônia; dá-se também a substituição dos equipamentos primitivos por máquinas industriais movidas a água, e depois a vapor ou eletricidade; o advento da ferrovia ao invés das "tropas de muares" exige a construção de pequenas plataformas de embarque próximas aos armazéns e às colônias da fazenda; e o núcleo industrial agiganta-se transformando-se no principal componente arquitetônico da grande empresa produtora de café.
A casa-grande e a senzala foram substituídas por sedes rodeadas de jardins e casas de colônia; a construção da ferrovia exigiu a implantação de pequenas plataformas de embarque próximas aos armazéns e às colônias da fazenda; o núcleo industrial cresceu, transformando-se no principal componente arquitetônico da fazenda. Da mesma forma, em outras regiões cafeeiras pode-se observar diferentes mudanças, de acordo com o contexto regional e com o período que se analisa.
Casa-sede da Fazenda Boa Vista, em Ribeirão Preto [SP], construção do final do século XIX. Foto: Vladimir Benincasa. Fonte: Benincasa, V. (2010). As casa de fazendas paulistas. Com Ciência. Revista Eletrônica de Jornalismo Científico. Disponível em: http://www.comciencia.br/comciencia/handler.php?section=8&edicao=60&id=759
Fazenda Schmidt, Ribeirão Preto, SP. Fonte: A. Lalière, 1909; B. Belli, 1910. In Arquitetura do Café [por] André Argollo / A. Lalière, 1909.
Terreiros de uma das fazendas de M. Francisco Schmidt, em Ribeirão Preto, SP, com a usina de beneficiamento ao fundo e a colônia no horizonte.
Fonte: A. Lalière, 1909. In Arquitetura do Café [por] André Argollo.
Muitas fazendas possuem construções antigas em bom estado de conservação, restauradas ou — em alguns casos — reconstruídas por completo. Infelizmente esta não é a realidade de uma grande parte das propriedades rurais, que — por falta de dinheiro ou falta de consideração dos proprietários acabaram perdendo os registros arquitetônicos que outrora lhes embelezavam a arquitetura do café. Todavia, para resgatar a tradição das grandes fazendas cafeeiras, os edifícios que compõem seu conjunto arquitetônico podem conter elementos presentes na arquitetura colonial brasileira. Grandes varandas, amplos telhados com telhas de barro, portas e janelas de madeira coloridas, lambris no teto e ladrilhos hidráulicos são alguns dos exemplos a serem utilizados em novos projetos ou em projetos de restauro/reconstituição. Muitos elementos considerados símbolo das antigas fazendas, como os fogões à lenha, são incorporados nesses projetos não pela praticidade do seu uso, mas sim pelo valor simbólico-arquitetônico que possuem. Obviamente não é necessário se valer de todos estes itens ao mesmo tempo para que se realize o resgate de memória.
Fachada do Museu do Café de Ribeirão Preto [SP].
Vista da varanda de uma das alas do Casarão do Museu do Café de Ribeirão Preto [SP].
No caso da arquitetura do café, eu considero que uma boa arquitetura vai muito além de um bom desenho, pois remete aos cinco sentidos. Na arquitetura do café, o “aroma” é essencial na composição do ambiente — há que sensibilizar o olfato com aromas do café e da fazenda; assim como o tato — textura dos revestimentos, o material que compõe o mobiliário etc.; a luz deve ser bem pensada — o que exige do arquiteto um belo estudo da luminosidade do ambiente para conjugar rural com urbano, tradicional com contemporâneo; a sonoridade também é relevante. Assim também em ambientes urbanos, por exemplo no projeto de uma cafeteria, em que o próprio som do preparo do café, da manipulação das louças, das conversas sempre amenas, tudo isso pode ser muito bem explorado pela boa arquitetura do café. O sabor, nem se fala !
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REFERÊNCIA para citar este Texto:
Argollo Ferrão, A. M. de (2019). Fazendas de Café em Ribeirão Preto [SP]. In: Arquitetura do Café [Blog]. Disponível em: http://arquiteturadocafe.com.br/blog/
REFERÊNCIAS citadas neste Texto:
Argollo Ferrão, A. M. de (2015). Arquitetura do Café (2a. ed.). Campinas: Editora da Unicamp.
Argollo Ferrão, A. M. de (2005). A Fazenda Cafeeira e suas características no tempo e no espaço por elementos arquitetônicos. Revista Cafeicultura, n. 24, out./2005. Disponível em : https://revistacafeicultura.com.br/?mat=5550
Argollo Ferrão, A. M. de (2004). Arquitetura do Café (1a ed.). São Paulo: IMESP; Campinas: Editora da Unicamp.
Belli, B. (1910). Il caffè: il suo paese e la sua importanza. Milão: Ulrico Hoepli. Manuali Hoepli, con 48 tavole, 7 diagrammi e carta delle zone caffeitere.
Benincasa, V. (2010). As casa de fazendas paulistas. Com Ciência. Revista Eletrônica de Jornalismo Científico. Disponível em: http://www.comciencia.br/comciencia/handler.php?section=8&edicao=60&id=759.
Lalière, A. (1909). Le café dans l’état de Saint Paul. Paris: Augustin Challamel.
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